quarta-feira, janeiro 23, 2013

O Óbvio Ululante



Lembro-me, com tristeza, de uma discussão em volta da mesa, sobre literaturas admiradas (ou endeusadas) por todos. As pessoas que discutiam são formadores de opinião e todos acenavam, com tanto orgulho, sobre suas sugestões de leitura.
Nomes como Noah Gordon e Dan Brown eram os mais citados pelos intelectuais de plantão, que devem possuir uma portentosa plateia para seus pensamentos nos locais onde vivem. Percebo que se esta mesma discussão fosse feita hoje, E. L. James seria, de longe, o nome mais mencionado.
É comum em outras culturas que as pessoas conheçam trechos de livros, poemas e, principalmente, seus autores. Tal característica denota o zelo com o patrimônio mor de qualquer país: a cabeça infantil.
Sigmund Freud afirmava que o curso natural da libido é encontrar seu objeto de desejo correto. Algum trauma que, porventura, afete o desenvolvimento da libido pode resultar em neuroses e perversões.
Usei a linha freudiana de raciocínio para mostrar que o curso natural de qualquer leitor é utilizar a literatura correta para cada situação, idade e amadurecimento. Traumas nesta época podem provocar danos irreversíveis. O ideal sempre será ter outros leitores como referência e ser referência para quem possui menor experiência que você.
Há, no Brasil, uma ampla gama de escritores capazes de saciar todos os desejos, dos mais simples aos mais exigentes leitores. As crianças deveriam sabê-los de cor. Prioridades invertidas à parte, me refiro a nomes do calibre de: Lima Barreto, Eça de Queirós, Machado de Assis, Jorge Amado, etc. Que deveriam ser melhor aproveitados durante a fase escolar (por favor, entenda que melhor aproveitado não quer dizer ler um único livro de um único escritor por ano).
Uma pausa: Quando eu for Ministro da Cultura, instituirei atividades e leituras dos escritores nacionais para o ensino fundamental e atividades e leituras dos clássicos de filosofia e sociologia para o ensino médio.
Morram de fome, pseudo cantores sertanejos, de axé, de forró e grupos de pagode!
Voltando à programação normal... Dentre todos, o mais primitivo e visceral, com certeza (escritores para redes sociais, por favor, me perdoem a correta grafia) é o ilustre Nelson Rodrigues.
O primitivismo remete diretamente à Sombra de Jung (exaustivamente utilizada por Bergman e Palahniuk) e o visceral é uma mistura de Nietzsche com Rimbaud, sincero e incomodante (exaustivamente utilizada por toda a literatura mundial).
Sincero porque tudo escrito por ele REALMENTE existe, incomodante porque está ao lado (em frente, nos fundos ou dentro) de nossas casas.
Parafraseando o próprio, não dá pra saber os íntimos pensamentos de uma pessoa sem ficar enojado (ou excitado).
Um de seus mais belos (?!?! - seria esta a palavra certa?) livros se chama O óbvio ululante.
No Brasil, corria o ano de 1968. Era instituído o AI-5 pelo General Arthur Costa e Silva. Eram tempos difíceis para quem tinha personalidade e um mínimo de discernimento. Difíceis até demais. Foi decretado estado de sítio e foram suspensas todas as garantias constitucionais dos cidadãos brasileiros. Imagine o que isto provocaria no afiado pensamento rimbaudiano (sim, associei Nelson ao Rimbaud, ambos são incômodos aos cômodos) de Nelson Rodrigues. Conseguiu imaginar? Pois bem, Nelson selecionou e produziu o O Óbvio Ululante, um livro com a reunião das crônicas publicadas no jornal O Globo (tinha que ter algo de ruim, né?) no marcante ano de 1968.
Conforme afirma José Lino Grünewald, no prefácio da 4ª edição do livro editado pela Companhia das Letras, em 1993 (uma referência acadêmica disfarçada, hehehehehe), seus personagens são ferramentas de uma filosofia bem pessoal. Podem ser os “irmãos íntimos”, gente da vida real ou aqueles de ficção, a simbolizar a generalização icônica de um defeito, qualidade ou postura. Aí estão a “vizinha gorda e patusca”; “Palhares, o canalha”; o “débil mental de babar na gravata”; o “falso cretino”.
Pode-se perceber que existem dois tipos de fãs de Nelson Rodrigues: um é o que ouve todos falarem bem e também vira um fã compulsório (vide os "leitores" descritos acima, que se baseiam na crítica do jornal O Globo para decidir o que ler) o outro fã é o que vive a vida como ela é (sem baratas associações, por favor), que observa as proximidades, que bebe nos bares, que escuta os mentirosos comentários sobre desempenhos sexuais, que ouve os lamentos e anseios femininos por novidades sexuais e que lê os olhares alheios. Enfim, o segundo fã se sente em casa quando passeia pelos livros do Nelson Rodrigues.
Se você é o primeiro tipo de fã, volte às revistas do Chico Bento (nenhum tipo de preconceito aos leitores do Chico Bento, estão no caminho certo, amadurecerão no momento exato).
Se você é o segundo tipo de fã, (re)leia o livro.

Caso tenham ficado curiosos quanto ao resultado da discussão com os pseudo leitores, saibam que eu não disse nada que li, leio ou lerei. Fiquei absurdamente quieto. Existem vários momentos da vida em que você precisa do silêncio, com a única finalidade de manter as amizades.
Este foi um destes momentos.

Um comentário:

Carol Nascimento disse...

Ah escreveu pra mim né Du.... apaixonada loucamente apaixonada por Nelson, o único capaz de captar a alma humana sem filtros, perfeito, um transcritor da realidade! Te privo de minhas recomendações, pois indicaria somente toda obra e para acrescentar a bibliografia do Rui Castro "O anjo Pornográfico" (não acredito em outras bibliografias, só as do Castro)... Sempre é ótimo ler Nelson, sobre o Nelson (mesmo que seja no Globo)... bjs