sexta-feira, fevereiro 26, 2010

A libertação da náusea

Fala, gente.
Tudo tranquilo por aí?
Estou preparando a vinda de um novo Zaratustra, para guiar seus contemporâneos, afastá-los de suas certezas incertas, de suas verdades mentirosas.
Este título não é nenhuma homenagem a Jean-Paul Sartre. A náusea a que me refiro é a causada pela ingestão (entenda ingestão como a absorção, por qualquer forma, de qualquer coisa que não traz nenhum avanço pessoal, espiritual ou intelectual - tipo os erros de português dos maiores sucessos populares) de produtos estragados. .
Estava futucando meus livros velhos e revistas amassadas (por acordar em cima delas, maldita mania de dormir lendo - ou ler dormindo? Sei lá) e encontrei umas apostilas do tempo em que eu frequentava a faculdade com mais afinco (antes da faculdade se mudar pro lado da rodoviária - bares a granel), incluindo recordações de um churrasco mal-organizado que fui. Muitas lamentações, vontade de estar em casa, etc e tal. Mas, fui pra não parecer muito chato.
Deveria jogar na Mega Sena a cada rompante de previsões futurísticas que tenho, pois o churrasco foi justamente como imaginei: chato, com gente chata e (pior de tudo) música chata.
Ficava olhando em volta e pensando nas conversas que tive (entre 1986 e 1988) com os amigos do ensino médio, imaginando (e temendo) que a faculdade seria um berço de gente inteligente, formadora de opinião, etc e tal. Da mesma forma como os ídolos desta época, que eu admirava e que haviam saído da faculdade (muitas vezes, nem entrado), capazes de expressar sentimentos, através de versos e acordes.
E lá estava eu, sorrindo amarelo, ouvindo coisas que detesto ouvir, disputando a tapas uma cerveja lamentável; tudo isso só pra não ser chamado de desagradável por gente que não me importa, como pode?
Em Heaven knows I´m a miserable now, sucesso de 1984, Morrissey dizia: "Why do I smile at people who I'd much rather kick in the eye?". Era justamente assim que eu me sentia.
Na tarde de hoje, encontrei esse trecho no livro Ecce Homo, de Nietzsche, ele reflete o que eu senti naquele momento e sinto toda vez que fico em situação semelhante.
Em poucas palavras, ele diz que devemos saber diferenciar adoradores de coisas boas de adoradores de coisas ruins.
Devemos ler/ver/escutar/sentir o ruim, mas sabendo que é ruim, nada mais que isso.
Não devemos ler/ver/escutar/sentir o ruim tendo certeza de que é bom. Isso é péssimo.
E como diferenciar o bom do ruim?
Simples, o ruim é de facílima absorção, é comercial, é falso. Foi feito para tirar seu dinheiro, só isso. Não apresenta nenhum sinal de preocupação durante sua confecção.
Exemplos? Revistas televisivas, preocupações com a novela, neo pagodeiros, neo sertanejos, Nelson Rubens, Galisteu, Hebe, Faustão, Gugu, reality shows, etc.
O mundo tem idiotas demais e gente preparada de menos.

Segue o trecho do Friedrich:

"Que me aconteceu? Como libertei-me da náusea? Quem rejuvenesceu o meu olhar? Como voei até essas altitudes, onde já nenhuma turba se senta ao pé da fonte? Foi minha náusea que me deu asas e forças para pressentir os mananciais? Na verdade, tive de voar para as extremas alturas a fim de encontrar a fonte do prazer? Oh! Irmãos meus, encontrei-a! Aqui, no ponto mais alto, jorra para mim a fonte da alegria! E há uma vida na qual nenhuma ralé bebe! Para mim jorras, quase com excessiva violência, ó fonte da alegria! E muitas vezes esvazias a taça, porque a queres encher. E devo ainda aprender a aproximar-me de ti com maior discrição: com demasiado ímpeto pulsa ainda o meu coração, ao ir ao teu encontro: – Meu coração, em que se consome o meu Verão, o meu breve, quente, melancólico e superditoso Verão: como anseia pela tua frescura o meu coração estival! Foi-se a aflição hesitante da minha Primavera! Acabaram-se os flocos de neve da minha maldade no mês de Junho! Todo eu me tornei Verão e meio-dia estival! – Verão nas alturas com frescas fontes e silêncio bemaventurado: oh!, amigos meus, vinde, para que este silêncio se torne ainda mais bem-aventurado! Pois esta é a nossa altura e a nossa pátria: habitamos aqui num lugar demasiado alto e íngreme para toda a impureza e a sua sede. Mergulhai, amigos meus, o vosso olhar puro na fonte da minha alegria! Como haveria ela de com isso se turvar? Sorrir-vos-á também com a sua pureza. Na árvore do futuro, construímos o nosso ninho; nos seus bicos, as águias trazem-nos, a nós solitários, o alimento! Na verdade, não é alimento que possamos partilhar com os impuros! Estes imaginariam estar a comer fogo e queimariam a boca. Não temos aqui, na verdade, morada para os impuros! Para os seus corpos e os seus espíritos, a nossa felicidade seria uma gruta de gelo! E acima deles, como ventos impetuosos, vizinhos das águias, perto da neve e junto ao sol, queremos viver: assim vivem os ventos impetuosos. E, tal como o vento, quero ainda soprar no meio deles e com o meu espírito tirar ao seu espírito todo o alento: assim o quer o meu futuro. Na verdade, Zaratustra é um vento forte para todas as terras baixas: e a todos os seus inimigos e a tudo o que cospe e vomita dá este conselho: guardai-vos de cuspir contra o vento!"

Nietzsche dizia que sua obra não seria entendida, seria coisa pra alguns séculos a frente.
Previsões corretas.
O medo é da banalização que os humanos praticam a tudo ( ver http://tasqueopariu.blogspot.com/2009/06/umslopogaas.html ).

A intenção ao escrever tudo isso é de ser MUITO claro, menos com quem está acostumado a atrofiar seus neurônios.

Bom, galera. Creio que é só.

Abraços.

5 comentários:

Anônimo disse...

Fala dr.!
Que post bacana!
A realidade de hoje é que, as pessoas acostumaram com bem mais, coisas ruins, que com as boas. E quando abrimos nossa boca para falar, nos tornamos alienígenas... É como se nós estívessemos errados por gostar e admirar o que é bom de se ouvir e ver...
Muitas vezes fujo de certas companhias, pessoas que gosto, mas que só conseguem falar sobre: novelas, programas que só mostram as desgraças alheias, programas que só fazem mexericos e etc...
Prefiro ficar por casa, assistir a 6ª temporada do Lost, tomar um bom chimarrão, conversar com meu companheiro, ler algum livro ou ir para a casa de minha mãe e tentar fazer um jardim para ela...
É isso aí!
Abração

Felipe Deveza disse...

Esse Blogue (é blogue mesmo) está de alto nível... grande Dudu.

Pontes, M,S,. disse...

Adorei a frase: "O mundo tem idiotas demais e gente preparada de menos."
Pura verdade, eu estava nesse churrasco, sei exatamente o que tu sentiu, o melhor mesmo é ignorar, abrir uma cerveja, caçar boa companhia (o que está dificil hj em dia), acender um cigarro, colocar o velho Dylan pra tocar e esquecer o mundo exterior.
Bjo no cérebro!
Abração seu corno véio!

Anônimo disse...

como sempre um ótimo texto. leitura leve e agradável e excelentes referências.
obrigada doutor!

Anônimo disse...

como sempre um ótimo texto. Leitura leve e agradável e referências excelentes e incomuns.
obrigada doutor!